quinta-feira, 19 de maio de 2011

Inverno dos meus dias

Esparramada na cama desarrumada a dias, nem sequer me olhei no espelho, meu cabelo deve estar todo embaraçado, mas e daí, quem se importa, tenho preguiça até de comer, de respirar, pensar em qualquer espécie de movimentação é loucura. Prefiro sim, ficar onde estou, com a mesma meia furada, a velha camiseta dos Ramones desbotada e o jeans amarrotado de ódio. No som aquela mesma música, repetindo-se e repetindo-se, o copo quebrado e os cacos continuam no chão, o violão empoeirado permanece encostado na porta do guarda-roupa entre aberto, a luz do corredor continua acessa revelando meu íntimo medo de ficar no escuro, e junto à música ouço passos no andar de cima, aparentemente em algum lugar próximo ainda há vida. Isso me basta. Me consola. Fico ali inerte observando a borboleta que se debate contra a luz, será que ela não percebe que é arriscado? Chamo a miserável de otária, dou gargalhada. Maldosa, é isso que eu sou... lá no fundo estou torcendo pra que ela morra logo, não vale a pena viver...não vale, não vale!
Depois sou nutrida pelo sentimento de culpa.
Culpa? Culpada por quê? Eu não tenho culpa de ter acabado com os seus planos, você tinha 15 anos, era só uma criança, não é mesmo? Tinha um futuro brilhante, queria estudar, ser alguém, pena que nesse seu sonho hipócrita não tinha espaço pra mim, eu seria sempre aquele peso que teria que carregar nas costas pelo resto da vida.
Resto da vida! Que intenso! A vida é muito longa. Longa demais.
É mentira! Eu não implorei pra nascer, eu não te julgo se as tentativas de aborto não deram certo, são raros os casos, mas falhas ocasionadas pelo destino existem!
Se eu tivesse tido escolhas? Seria diferente, certamente iria optar por não existir. Existir pra que? Pra me torturar ao ver meu reflexo no espelho e ter a certeza que os meus olhos negros e escuros são como os seus?
Para onde foi aquele meu sorriso rasgado, às vezes até forçado. Aquela bochecha exageradamente rosa de blush, onde foi que se escondeu? Faz muito tempo que eu resolvi empalidecer? Aquele rosto era quase que tão aquarela vibrante banhado por autoconfiança e fé. Ate mesmo fé eu tive um dia... se eu te contasse você acreditaria? Nem eu!
Que horas são? Não, não insista prefiro ficar sem saber.
É hora de não ter hora, não ter compromisso marcado, é hora de desencontros propositais. É simplesmente a hora que o ponteiro marca e só. Não esta na hora e ponto.
Faço silêncio, posso fechar os olhos e ainda que tarde extrair de mim a essência, a textura, o sabor e também o último, o que sobrou na íntegra do meu existir. Incapaz de preencher esta lacuna estou escassa de mim mesma na total e completa solidão. Solidão, você já passou por isso? Que droga! Como sou fraca! Quisera eu ser feito você, moldada na medida suficiente, sem desperdiçar nada.
Nada, nadinha.
Então num estridente grito de desabafo, se revela dentro de mim a altivez de mulher. Abro as pálpebras lentamente, quando olho ao redor do quarto cheirando morte percebo que todos já se foram, e eu... estou de partida nesse inverno dos meus dias, que me completa, rumo ao infinito. Adeus.