terça-feira, 20 de setembro de 2011

Equalize


Iria acontecer a qualquer instante.
Eu sabia.
No fundo todos sabem.
Se eu estava preparada?
Quem é que esta preparado para a morte? A resposta é previsível. Ninguém.
E a culpa naquele momento era minha. Me sentindo uma completa estúpida por não ter chegado a tempo. Tempo de dizer aquelas palavras de carinho que você merecia tanto ouvir.
Aquela voz era minha apesar de rouca e já tremula, era como um grito quase imperceptível.
Não tive saídas.
Desabei ali mesmo, sem testemunhas em um choro de quem implora humilhada. Minha garganta engolia seco o sabor da despedida.  A dor naquela hora era e continua sendo terrível e isso me chateia. Estou em um estado de frustração e desespero que se intercalam. Intensificam-se.
Eu sei.
Eu bem sei.
Os anos se passaram, nós envelhecemos e hoje você adoeceu. Tenho consciência de que agora não tem volta e nem recuperação. Sinto que esta partindo, sua respiração está cada vez mais fraca, seus olhos já não me enxergam como antes, você mal consegue caminhar sem minha ajuda. Infelizmente seu ciclo vital é mais curto que o meu. Não terei sua companhia à vida toda.
Quem dera.
“A vida toda”.
Eu só queria poder te pegar no colo, te afogar no meu abraço e cantar aquela música que você adora. Bom, eu também adoro.
“E eu acho que eu gosto mesmo de você
Bem do jeito que você é.”
Queria ter pela última vez seu olhar desajeitado, a cabeça entre as patas. Seus olhos eram enormes e meigos. Lindos apesar das remelas. Você gostava tanto de dormir. Dormia sentada, em pé. Não fazia luxo. E roncava. Como roncava. Lembro-me de muitas vezes ter me assustado com os estranhos barulhos que você fazia. Seu focinho gelado e molhado na minha mão quente. Você só queria minha atenção. Eu fazia um cafuné, você me lambia como quem toma sorvete no calor do verão. Seu “rabo” curto. Abanando. Denunciando sua felicidade. Nossa felicidade. Seus pulos ao ganhar o “bicoitinho” e a cara de medo ao manchar o tapete da sala. Seu latido, nossas conversas em diversas línguas... nosso mundo.
Um mundo nosso.
Quanta cumplicidade.
Pode parecer exagero, talvez algumas pessoas nunca entendam que esse laço existe. Não me importo. Você tornou meus dias mais alegres. E essa é a minha memória. O que ficou da Princesa em mim.
Agora é enxugar as lágrimas e fingir que a vida tem que continuar.
E ela continua.
Pode me esperar Cabritinha, Polaca, Litlle Jackie, Cabita, como queira ser chamada.
Sinto sua falta.
Não nego.
Mas tenho uma certeza.
A certeza que nos veremos.
Até logo.
O “céu dos cães” esta aberto pra você.
Fica bem no seu novo lar. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Feito pó




Sou obsessiva. Completamente ciumenta, tenho um quê de esquisitice, reservo sorrisos discretos e um olhar misterioso. Mas e daí.  Talvez eu mude... e porque não? Fica a pergunta. Sem resposta.  Pois é, a vida é assim.  Você suspira ao chegar a essa conclusão. Não faz nada pra mudar, simplesmente se acomoda. E a resposta permanece imutável.
Sei que não vai dar em nada, que não chegarei a lugar algum. No começo é tudo sincero e verdadeiro, faz bem.  Até quando? Eis que surge mais uma pergunta. E a resposta? Melhor fugir. 
E na solidão do quarto choro escondida na fronha do travesseiro. Não quero que saibam que estou sofrendo de amor e a cada novo dia logo pela manhã tento me refazer.
Recompor-me, unir as peças do quebra-cabeça que parece não se formar.
E de repente sinto falta de alguma coisa. Falta do que quase chegou a ser e não foi. Falta de...
Isso tem um nome.
Tem o seu nome.
Às vezes sinto você vindo sorrateiro em minha mente. Fecho os olhos e em um momento falho de distração me pego pensando. Pensamentos ao além me levam ao seu encontro.
Agora me encontro só.
Só o pó.
Só o nó.
Mas aí, daqui uns dias isso tudo vai passar despercebido. Ou não. Ficaram apenas as marcas. Cicatrizes.
O nó desfeito, feito pó.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Toc-Toc


Qual o drama? Era quase à hora, e lá estava eu, pronta para me sujar de mim novamente. Eu não planejei, fui pega desprevenida. E sem abrigo me ocupei adiando o inevitável. Ganhei algumas horas, mas perdi o caminho de volta. Bati na porta errada. Entrei sem pedir licença. Me acomodei. Me abriguei. 
Mas era preciso voltar.
Voltar.
Não se abale acaso sem mais nem menos eu for cruel a ponto de passar por aquela porta e não mais voltar. Não garanto nada por agora. Só por agora. Talvez eu necessite mesmo sair, viver, me sentir eu mesma, cuidar do que me interessa da maneira que eu bem entender.
Talvez você tranque a porta.
Talvez não.
Talvez você insista para que eu fique.
Talvez não haja explicações.
Compreende de uma vez por todas, às vezes é preciso fechar algumas portas para que outras possam ser abertas. Entende?
Por tantos motivos deixei de ser quem eu era, pra poder viver a sua vida, ao seu modo, por tantos motivos neste exato momento estou me permitindo fugir dos conselhos sensatos, das pessoas corretas e de toda essa hipocrisia.
Por tantos e tão confusos motivos eu percebi que realmente não era você o problema, era eu. Você estava certo quando olhou no fundo dos meus olhos e disse para eu me recompor.
E em doses pequenas, fui tentando não perceber, fui afastando uma dor aqui, colando um pedaço cá, guardando um ressentimento ali, uma revolta lá. Mas tudo isso me recompôs. Estou bem. Está tudo bem. Bem vindo à minha vida boba, mal colocada, mal entendida, mal acabada. Mal...
Mas agora já passa da meia noite, é hora de ser inteira, é hora de juntar meus pedaços e ir buscar pela porta correta. Tenho de admitir que é tudo muito duvidoso e que não aprendi a lidar ainda com alguns trincos, as vezes erro de porta, troco as chaves mas estou tentando.
Tentando.
Toc-Toc...
E se a porta pra realidade estiver aberta, vou entrar, sem medo.